Aquisição Hostil: Entenda os riscos e os meios de proteção

Quando o controle de uma empresa vira alvo, o conhecimento jurídico é a melhor estratégia de defesa.
aquisição hostil

A chamada aquisição hostil, ou hostile takeover, é uma operação societária por meio da qual uma empresa busca assumir o controle de outra contra a vontade da administração ou de parte de seus sócios ou acionistas controladores. O elemento essencial que caracteriza essa modalidade de aquisição é a ausência de consentimento da empresa-alvo, razão pela qual, embora legal, costuma ser vista com cautela por seus impactos na governança e na estabilidade institucional da companhia.

No contexto brasileiro, a Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações) e as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) constituem a principal base regulatória para fusões, aquisições e operações que resultam em mudança de controle acionário. No que se refere às aquisições hostis, a legislação atua principalmente como instrumento de mitigação de danos, buscando equilibrar os interesses de acionistas minoritários, majoritários e da própria companhia.

Apesar de ser mais recorrente em países como os Estados Unidos, onde o mercado de capitais é altamente desenvolvido e fragmentado, a aquisição hostil já se manifestou no Brasil em situações emblemáticas, como no caso da tentativa de aquisição da Sadia pela Perdigão. Esse episódio ficou conhecido pela intensa disputa entre os acionistas e pelo uso de mecanismos defensivos previstos em lei e no estatuto social da companhia.

Dentre os dispositivos legais relevantes, destaca-se o artigo 254-A da Lei das S.A., que trata do dever de realização de oferta pública (OPA) em casos de alienação de controle. Ele impõe ao adquirente a obrigação de estender a mesma condição oferecida ao acionista controlador aos demais acionistas, preservando a equidade entre os participantes do capital social. A Resolução CVM nº 85, de março de 2022, reforça esse entendimento, regulamentando as ofertas públicas e reforçando a necessidade de transparência, ampla divulgação e respeito aos direitos dos acionistas minoritários.

Outro instrumento central para a defesa da companhia frente a uma aquisição hostil é o mecanismo conhecido como “poison pill” — cláusula estatutária que impõe restrições à aquisição de uma participação relevante na companhia, como a exigência de realização de OPA para todos os acionistas ao se atingir determinado percentual de ações ordinárias. Essas cláusulas, também chamadas de “share purchase rights”, funcionam como táticas de dissuasão e devem constar no estatuto social da empresa, aprovadas pela assembleia geral, conforme exigido pelo artigo 122 da Lei 6.404/76.

A aplicação desse tipo de mecanismo no Brasil é respaldada também pelo artigo 75 da mesma Lei, que trata da emissão de bônus de subscrição, um dos instrumentos utilizados para viabilizar reações à tentativa de controle externo. Contudo, a doutrina e a jurisprudência indicam que o uso de tais medidas deve observar a boa-fé objetiva e os princípios da função social da empresa e do mercado, para que não haja abuso de direito ou prática anticompetitiva disfarçada de proteção.

Emerson Tizziani, ao estudar a disputa entre Perdigão e Sadia, observa que “a implementação de mecanismos defensivos deve respeitar não apenas a legalidade formal, mas também os princípios do direito societário, como a preservação da empresa, a simetria informacional e a transparência com o mercado” (TIZZIANI, Emerson. Táticas de Defesa Contra Aquisições Hostis: O Caso Perdigão x Sadia, EnANPAD, 2008). Ou seja, o objetivo da cláusula de defesa não é criar barreiras artificiais ao mercado, mas proteger o interesse coletivo dos acionistas e da própria atividade empresarial.

O papel da assembleia geral, portanto, é central na estruturação de qualquer estratégia de blindagem. Isso inclui não apenas a deliberação sobre poison pills, mas também a definição do capital autorizado, o estabelecimento de limites estatutários para a circulação acionária e a aprovação de acordos de acionistas robustos. O artigo 118 da Lei das S.A. é claro ao permitir que os acionistas regulem entre si o exercício de voto, o direito de preferência e as condições de saída, o que se revela fundamental em cenários de hostilidade societária.

Do ponto de vista prático, a adoção de uma estrutura de governança corporativa sólida e preventiva é a melhor maneira de evitar vulnerabilidades. Isso passa pela atualização periódica do estatuto social, pela formalização de acordos de acionistas, pela definição clara de políticas de compliance e pela adoção de mecanismos internos de monitoramento de participação acionária e movimentações suspeitas.

Empresas que atuam em setores estratégicos, de capital aberto ou com estruturas acionárias pulverizadas devem considerar seriamente a implementação de cláusulas de defesa como parte de sua política de integridade e sustentabilidade corporativa. O mercado moderno valoriza não apenas o retorno financeiro, mas também a estabilidade da gestão, a proteção ao investidor e a reputação institucional da companhia.

Cabe ao assessor jurídico empresarial orientar os administradores e acionistas na adoção dessas práticas, garantindo que qualquer reação a movimentações hostis esteja alinhada à legalidade, à transparência e ao interesse social da empresa. O conhecimento técnico e a antecipação aos riscos são armas poderosas na proteção da autonomia empresarial.

A aquisição hostil é, em sua essência, um desafio de governança, e como tal, exige preparação, técnica e estratégia. Mais do que impedir uma compra, trata-se de preservar o projeto empresarial e assegurar que as decisões estratégicas sejam tomadas por quem conhece — e respeita — os fundamentos e propósitos da empresa.

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